Às vezes, uma imperfeição não é uma imperfeição, mas um floreio — um golpe de mestre.
Vejamos, por exemplo, as hastes soltas que saem da trama da cesta de vime retratada na obra-prima A Ceia em Emaús, pintura do início do século 17 de autoria de Michelangelo Merisi, mais conhecido como Caravaggio — um dos maiores tesouros do acervo da National Gallery em Londres.
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Embora inúmeros olhos tenham se maravilhado com o misterioso drama que se desenrola no interior sombrio da taverna em que Cristo recém-ressuscitado acaba de revelar sua verdadeira identidade a um par de discípulos estupefatos, o significado de uma imperfeição quase imperceptível passou despercebida nos quatro séculos desde que a pintura foi encomendada pelo nobre italiano Ciriaco Mattei em 1601.
Duas hastes soltas, saindo do trançado da fruteira, são um defeito delicado a partir do qual o verdadeiro significado da obra pode ser desvendado.
Sozinho entre os incontáveis símbolos que pontuam a pintura religiosa, este detalhe delicadamente definido — metade na sombra, metade na luz — transforma a célebre tela de Caravaggio de uma mera ilustração da cena bíblica em algo ativo e ousado — um desafio espiritual cujas apostas não poderiam ser maiores .